27 de jun. de 2013

CRIANÇAS VEGETARIANAS - ANNE RAMMI


Tire a carne da mesa e um leque de possibilidades e variedades de alimentos se abre em sua frente.

"Sabe aquela pessoa que você olha com certa admiração, mas com completa distância? Alguém que você entende que está fazendo alguma coisa boa, mas que, simplesmente, não é uma escolha possível pra sua realidade? Assim eu enxergava um vegetariano.

Era algo impossível para mim, alguns anos atrás, viver sem comer carne, muito embora eu admirasse a opção. Meu primeiro filho nasceu e vivemos em casa uma grande transformação. De um casal completamente alienado para a importância de uma boa alimentação passamos, na medida em que ele começava também a se aventurar pelo mundo dos alimentos sólidos, a pesquisar, nos informar e a tomar decisões mais inteligentes e focadas na saúde.

Afinal, o que é mais importante do que aquilo que colocamos na boca, mastigamos e engolimos para movimentar a vida? Ainda assim, seguimos mastigando e engolindo a vida de outros seres do reino animal por um tempo.

Pois esse tempo foi passando e as escolhas alimentares foram se refinando. Com elas, o casal, que, antes da casa dos 30, amargava alguns problemas de saúde, enquanto se refestelava em fast foods e jamais questionava a indústria de alimentos, livrou-se de quase 60 quilos de gordura acumulada em anos de alimentação ruim –para não dizer tosca mesmo.

Das maravilhas que a chegada de um filho pode trazer para a vida da gente. Fazer boas escolhas para comer não se tratava mais de um processo de privação. Era gostoso comer bem! Se eu havia me livrado do maldito vício do refrigerante, que me acompanhava em todas as refeições desde a adolescência, o céu era o limite. Quer dizer: a terra era o limite.

 Mais ou menos na época em que meu segundo filho começava a descobrir o mundo das comidas,  paramos, definitivamente, de comer carne.

Porque a monocultura de grãos para alimentar os animais de abate está acabando com a natureza? Porque essa indústria é responsável pela maior parte da emissão de gases que contribuem para o efeito estufa? Porque os animais são criados em confinamento e altamente medicados, fazendo da sua carne uma opção pouco saudável? Porque eles sofrem ao serem abatidos e, assim como nós, têm direito à vida? Porque eu, simplesmente, era incapaz de cozinhar pratos deliciosos baseados em carne animal?

Não sei exatamente a razão.

Há quem diga que o menino é de alma vegetariana, vejam vocês, e assim conduziu a família em um processo de etapas, porém relativamente rápido, à recusa de carnes animais em nossa alimentação. A explicação coincide com os fatos, porém para aceitá-la é preciso uma dose de espiritualidade ou magia, que minha existência cética não é lá muito capaz de absorver. Hoje em dia, olho os espiritualizados com a mesma distância com que olhava os vegetarianos.

Vai fazer um ano que o vegetarianismo começou em casa, onde crianças e adultos não se alimentam mais de bichos.

Em um primeiro momento, parecia que enfrentaríamos grandes dificuldades, afinal a falta de informação nos fez crer que o vegetarianismo nos daria menos opções de alimentos. Ledo engano, tire a carne da mesa e um leque de possibilidades e variedades de alimentos se abre em sua frente.  São raízes, tubérculos, caules, folhas, sementes e frutos. Uma infinidade de receitas e combinações apareceram depois que paramos de enxergar os vegetais apenas como guarnição. Eles são agora nosso prato principal.

 A maior preocupação era com o mais velho, afinal ele foi, assim como a gente, um comedor de carne. Como reagiria diante da nova proposta? Aos dois anos e meio, o menino abraçou a causa como ninguém. No fundo da minha cabeça, paira um certo alívio de não lidar mais com pequenas incoerências da nossa vidinha alimentar, como, por exemplo, ter tido de dizer para o Joaquim que os peixes que decoravam o restaurante japonês em lindos aquários coloridos eram diferentes daqueles que devoraríamos na sequência e que, não, nenhum deles era o Nemo ou a Dory.

Sério, eu fico aliviada de saber que meus meninos –pelo menos, enquanto as decisões alimentares estão nas mãos de seus pais– não vão jantar o irmão do Porquinho Atrapalhado nem a prima da Galinha Pintadinha ou ela própria. "Deusolivre"! Ufa.

Fora um crescente interesse pela culinária vegetariana, um espaço na cozinha para dois novos livros de receita e cuidado com a origem dos nossos alimentos, livres de agrotóxico tanto quanto possível (a parte mais difícil), não há muito com o que se preocupar quando o vegetarianismo bate na porta das famílias com crianças. É normal que as pessoas sejam receosas e cheias de histórias sem fundamento sobre vegetarianismo, mas basta perder um tempinho com boa informação que todos os mitos se transformam em "vegetarianismo é uma escolha, possível e igualmente saudável". E para a gente tem sido uma boa escolha.

Quando me perguntam qual o motivo de termos mudado de hábitos assim, eu raramente consigo achar uma explicação simples. Foi com certeza um conjunto de fatores, mas, de um modo geral, costumo dizer que, depois que vivi a experiência maravilhosa de gestar, parir, nutrir e ver crescer meus filhos, não consigo comer mais ninguém que tem, ou um dia teve, uma mãe."

Anne Rammi.
Artista plástica e mãe do Joaquim (3 anos) e do Tomás (1 ano).
Autora de blogs de conteúdo materno, co-criadora do Site Mamatraca e colunista do portal UOL.


Fonte: Mamatraca

Um comentário: